Uma inquilina que sonhava ter uma biblioteca em casa!
"Já não caibo numa casa, onde o espaço é todo meu, não são obras que me salvam, eu só sei crescer...!" (Samuel Úria)
Estou na minha hora de almoço. Venho à biblioteca, como quase sempre faço neste tempo livre. Entro, aceno às senhoras que estão na recepção e continuo a subir as escadas. Costumo escolher sempre o mesmo lugar.
Ultimamente, começo sempre por escolher as músicas do (grande) Samuel Úria para me acompanhar nestes momentos, que eu considero serem os melhores do dia. Neste espaço, consigo sentir aquela paz, que acho difícil sentir num café ou nos demais locais que as pessoas habitualmente escolhem nesta hora.
Os meus colegas acham muita piada a esta minha mania de preferir almoçar sozinha na copa do trabalho e depois ficar com algum tempo livre, que quase sempre uso para vir até aqui.
Sempre sonhei ter um espaço só para mim lá em casa. Desde pequenina que pedia uma "biblioteca" só para mim. Claro que quando dizia isso, não me referia a um espaço destas dimensões, mas uma espécie de escritório, preenchido com estantes, livros, uma secretária e uma cadeira.
Ainda continuo com o mesmo sonho e, por agora, com alguma dificuldade em realizá-lo, visto continuar uma "inquilina" em casa dos meus pais. Eles nunca perceberam bem esta "coisa" de gostar de colecionar livros e de precisar de um espacinho só para mim. Não os julgo por isso. Como eles próprios dizem, os livros deles não foram como os nossos. Cresceram a ter que dividir os mesmos livros da escola por todos os irmãos, que naquela altura, eram sempre mais de quatro. Não podiam sequer escrever neles, pois sentiam o peso da responsabilidade de os passar ao irmão mais novo. Mas, os "livros" que lhes ocupavam mais tempo nem sequer eram dos que têm capa e folhas. Eram os feitos de ervas, terra e instrumentos de cultivar a terra.
O meu pai, estudou a arte de construir casas e faz obras fantásticas, com toda a perfeição. Tenho muito orgulho nele e invejo a felicidade que o trabalho lhe dá, que, apesar de ser pesado, é o que ele sempre gostou e, graças a isso, nunca esteve desempregado. Mas coisas de livros não é com ele. Com a humildade que o carateriza, sugeriu ceder-me uma espécie de armário, daqueles onde também se deve poder arrumar a loiça que não se usa no dia-a-dia, na garagem. Para ele, a solução perfeita para colocar os meus livros! É claro que fiquei furiosa com a ideia! Mas agora que estou a partilhá-la, não consigo deixar de sentir uma enorme vontade de soltar uma gargalhada!
A simplicidade deles que tanto me orgulha, ao mesmo tempo, corta-me as asas. Preciso de muito mais que um armário na garagem para os meus livros!
Afinal, era só uma biblioteca!
MST